Sua dor de cabeça não melhora com analgésicos? Veja o que isso pode significar.
- Dr Pedro Bastos
- 18 de abr. de 2015
- 3 min de leitura

Na última semana atendi uma cliente que trazia sua história de cefaléia de longa data , tendo sido submetida a diversos tratamentos, com inúmeros profissionais. Trazia ainda inúmeros exames como ressonância magnética, tomografias entre outros , todos dentro da normalidade. Infelizmente o quadro nao se resolvia , pelo contrário, a incomodava cada vez mais. Mas afinal , o que ocorria com aquela paciente?
A utilização de medicamentos sem a devida prescrição médica infelizmente é rotina em nosso meio. Neste contexto, os analgésicos são os de maior apelo, visto a facilidade de aquisição, os preços relativamente acessíveis e a necessidade iminente frente a um quadro álgico qulaquer. E é neste contexto que se insere o nosso assunto de hoje: a Cefaléia Crônica Diária por Abuso de Analgésicos(CCDAA)
Quando utilizados de forma inadequada, abusiva, excessiva ou prolongada os medicamentos destinados ao tratamento sintomático das dores de cabeça constitui a causa principal de cronicidade e resistência medicamentosa . Trocando em miúdos, isto significa que , dependendo da quantidade e do tempo em que se utiliza , os analgésicos podem se transformar em um potencial causador de dor. Acredita-se que a CCDAA acomete cerca de 1 a 2% de toda a população mundial , sendo o principal mecanismo de cefaléia crônica - aquela que acomete no mínimo 4 horas por dia em mais de 15 dias num mês.
Acometendo até 4 vezes mais as mulheres que os homens , aquelas acometidas pela enxaqueca são ainda mais impactadas. Sabe-se que estas mulheres são mais sensíveis a dor e tendem a abusar mais do uso de analgésicos. A cefaléia é em si mesmo variável em severidade, tipo e localização. Pode ser descrita como um peso difuso, diário, sem outros sintomas associados, ou ser interceptada por episódios mais intensos de dor acompanhados de fono e/ou fotofobia, náuseas e/ou vômitos sugerindo crises de enxaqueca, que correspondem a uma abstinência transitória . Um pequeno esforço físico ou intelectual pode desencadear a cefaléia, o que sugere uma diminuição do limiar para a dor. A tolerância progressiva aos analgésicos vai levar o doente a aumentar a dose com o objectivo de obter algum alívio, ainda que transitório. Há frequentemente queixas associadas como astenia, inquietude, irritabilidade, dificuldade em concentração e mesmo depressão. São frequentes os despertares nocturnos entre as 2 e as 5 horas da manhã pela cefaléia.
Todos os medicamentos utilizados no tratamento sintomático de dor são capazes de perpetuar as cefaleias (embora reconheça-se que alguns são mais envolvidos que outros) desde que utilizados de uma forma excessiva e principalmente se regular e continuada. Reforça-se ser mais importante a cadência contínua de utilização do que propriamente a dose individual.
Para além da problemática das cefaléias em si, a utilização crônica destes fármacos vai induzir iatrogenia noutros orgãos e sistemas sendo bem conhecida dos clínicos a nefropatia dos análgésicos, a hepatotoxicidade do paracetamol, os problemas gastrintestinais e hemorrágicos comuns aos salicilatos e aos AINES, as perturbações vasculares periféricas, colite isquémica, as alterações dos ritmos do sono e vigília com a cafeína e os tranquilizantes dentre outros.
Nem sempre é fácil reconhecer tal problema já que a história é frequentemente omitida pelos doentes. Uns o fazem de forma inconsciente pela não percepção da relação de causalidade, outros mais esclarecidos omitem por noção de culpabilidade e alguns mais resistentes têm um comportamento de negação semelhante a outros tipos de adição. Deve-se ficar alerta perante um doente com cefaléias crônicas com várias consultas e tratamentos prévios ineficazes, particularmente perante a existência de episódios semelhantes a enxaqueca, acima de seis crises por mês. A melhor forma de confirmação consiste em solicitarmos ao doente para preencher um diário de cefaléias onde é registradas as dores, intensidade e duração das mesmas, horário e todos os medicamentos tomados.
Além de interrupção abrupta do uso de analgésicos, o tratamento é sintomático para a primeira semana, seguido ou em simultâneo com introdução de terapêutica preventiva que vai durar meses. Após a desintoxicação e tratamento a maioria dos doentes vai passar bem registando-se uma melhoria significativa nos três meses seguintes.
O caso da minha paciente me fez refletir sobre o quão desconhecido é esta condição que , neurologicamente, não chega a ser incomum.
Espero ter ajudado com algo. Até a próxima.
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